Desculpe, mas deixei de confiar no sistema eleitoral brasileiro


Desculpe, mas deixei de confiar no sistema eleitoral brasileiro

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nós, há apenas o tentar. O resto não é da nossa conta". TS Eliot.


PirilililiDesculpe, mas deixei de confiar no sistema eleitoral brasileiro Por Paulo Polzonoff Jr.


11/05/2022 às 08:49


Dê de presenteMudanças tecnológicas e a arrogância das autoridades lançam sombras sobre o sistema eleitoral brasileiro. E não há como mudar isso na base da força. (Foto: Marcelo


Camargo/Agência Brasil) Ouça este conteúdo


O título desta coluna era para ser “Se deixei de confiar no sistema eleitoral, a culpa é do Barroso”. Mas optei por começar com um pedido de desculpas que, confesso, não é lá muito sincero.


Afinal, não vejo culpa alguma em desconfiar da tecnologia e das intenções dos homens que a controlam. Por fim, o pedido de desculpas serve para reconhecer o poder limitado de certa pressão


psicológica pelo conformismo.


Voltando ao tema da coluna e recorrendo à memória, reconheço que nunca antes tinha desconfiado do sistema eleitoral brasileiro. Até porque nunca tinha prestado muita atenção a ele. Tenho uma


lembrança muito vaga das primeiras urnas eletrônicas, da empolgação que era usar a ponta dos dedos, e não mais o papel, para votar. Lá na longínqua década de 1990, realmente tudo parecia


mais eficiente, rápido, moderno e seguro.


Nem eu nem ninguém tínhamos motivo para qualquer tipo de desconfiança. O sistema eleitoral existia como existia e era administrado por pessoas cujo nome e preferências ideológicas


desconhecíamos. Além disso, estávamos todos embriagados de confiança na festa da democracia. Confiávamos porque a possibilidade de uma fraude era mesmo risível. Coisa de comunista paranoico.


Talvez eu esteja idealizando o passado aqui (só um pouquinho), mas tenho a impressão de que, há não mais de 30 anos, a honra ainda era importante para as pessoas. Até para alguns escroques.


Mas aí o tempo foi passando, a festa da democracia se transformou numa orgia e duas coisas importantes aconteceram. Primeiro, a tecnologia mudou. E, se uma simples torradeira deixou de ser


uma simples torradeira, por que pressupor que a urna eletrônica tenha se conformado com sua condição de simples urna eletrônica? O homem comum, mas não totalmente ignorante, foi aos poucos


se transformando num semianalfabeto digital. E assim a urna, enquanto máquina, foi naturalmente ganhando contornos frankensteinianos.


Até que eu me lembre da segunda coisa importante que aconteceu, deixe-me explorar um pouquinho mais isso. Claro que há um aspecto ludita nessa rejeição à “simplicidade e pureza” das urnas


eletrônicas. Os iluminados gostam de ridicularizar os neoluditas, mas isso é pura arrogância. Faz parte da natureza do homem confiar mais no que seus olhos veem e seus dedos tocam do que


naquilo que ele só é capaz de compreender por meio de uma imaginação muitas vezes inalcançável. E não há nada de mau nisso.


Lição de entomologia Ah, lembrei! A segunda coisa importante que aconteceu foi a ascensão de uma casta que costumava agir discretamente nos bastidores, mas que nas últimas décadas se


encantou pelos holofotes. E que agora (ouso dizer apenas pelo efeito literário da coisa) corre o risco de morrer fritada pela luz artificial de sua inteligência suprema. Esses insetos morais


são hoje uma praga pior do que a saúva ou o mosquito da dengue. Adivinha de quem estou falando!


Ops. Me empolguei nas referências entomológicas. Onde é que eu estava mesmo? Ah, sim. O sistema eleitoral, antes gerenciado por pessoas cuja orientação política podíamos até pressupor, mas


felizmente desconhecíamos, passou a ser administrado por Barrosos, Fachins e Alexandres da vida: militantes não só do inominável-de-nove-dedos como também da tecnologia, da ciência


infalível, da eficácia inquestionável, da velocidade e do que é invisível sobre a materialidade que há milênios nos encanta e assusta.


Não dá para negar que o presidente Jair Bolsonaro, juntamente com o deputado Felipe Barros, soube instrumentalizar esse caldo de desconfiança esquentado no fogo alto da arrogância do TSE,


adicionando a ele o temperinho amargo da polarização política. Mas como reagiram a isso os insetos hipnotizados pela noção equivocadíssima de autoimportância? Foram mais uma vez arrogantes e


autoritários. Mandaram calar a boca dos que expressavam desconfiança e os trataram como “inimigos da democracia”. O que, previsivelmente, só aumentou a desconfiança.


Tenho dito aqui e alhures (chique, hein?) que, por mais que o trio Barroso-Fachin-Alexandre bata o pezinho e grite para o mundo ouvir que “as urnas são invioláveis e à prova de fraude!!!”, o


sistema como um todo já está contaminado por uma desconfiança que ultrapassou as fronteiras da polarização e hoje atinge até petistas que, caladinhos, assistem à farsa democrática ora em


curso.


Porque, por mais onipotentes que se considerem The Supremes, eles não são nem jamais serão capazes de controlar o instinto do homem comum, que rejeita essas formas contemporâneas de


escravidão. E que no fundo, e às vezes nem tão no fundo assim, sabe que há algo de muito podre neste reino da Dinamarca (onde, aliás, o voto é de papel) tupiniquim. Só espero que,


diferentemente do que acontece no reino inventado da peça shakespeariana, por aqui as coisas não acabem numa carnificina. Nem simbólica e muito menos real.


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brasileiro Paulo Polzonoff Jr. Paulo Polzonoff Jr. é jornalista, tradutor e escritor. **Os textos do colunista não expressam, necessariamente, a opinião da Gazeta do Povo.


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