Entrevista a diogo feio. "não vivemos um dilema constitucional"


Entrevista a diogo feio.

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O eurodeputado Diogo Feio esteve em Portugal na delegação do Parlamento Europeu que está a avaliar a actuação da troika. Nesta entrevista ao _i_, o centrista defende que quando terminar o


programa da troika haverá um “salto qualitativo muito grande” e um “virar de página”. Na semana em que o CDS vai reunir-se em congresso, o ex-líder parlamentar dos centristas diz que seria


um erro falar de coligações para as legislativas neste momento. ESTÁ A ACOMPANHAR O RELATÓRIO DO PARLAMENTO EUROPEU SOBRE A INTERVENÇÃO DA TROIKA. EM QUE É QUE A INTERVENÇÃO DA TROIKA FALHOU


EM PORTUGAL? O relatório é geral, sobre o funcionamento do modelo. Aquilo que neste momento se quer fazer no final do mandato do Parlamento Europeu é uma avaliação do modelo geral das


troikas. PERGUNTO-LHE A SUA OPINIÃO. Em primeiro lugar, as troikas foram necessárias. Depois, é importante retirar a conclusão de que não pode haver soluções iguais para todos os estados. A


Irlanda teve um problema no sector bancário, Portugal teve um problema estrutural da sua economia, a Grécia foi uma situação de falência do próprio Estado. Não podem ter a mesma receita. Em


terceiro lugar, hoje a União Europeia (UE) já tem a experiência necessária para intervir nestas situações e por isso defendo que seja criado um mecanismo europeu para este efeito para


situações que espero não se repitam, sem o FMI. Há ainda outro aspecto: é inaceitável que assistamos a declarações de responsáveis políticos e depois àquilo que foram as medidas tomadas


pelos técnicos. E também não me parece razoável que se tenha criado um sistema de avaliações trimestrais. Preferia que o sistema de vigilância fosse mais uniforme e não criasse uma espécie


de drama de três em três meses, com conferências de imprensa e uma amplificação pública de medidas que não eram assim tão graves. O QUE FALHOU FOI A IMPOSIÇÃO DO MODELO OU A APLICAÇÃO PELAS


ENTIDADES NACIONAIS? Prefiro referir-me às correcções a fazer. É sabido e é público que a partir de determinado momento houve uma tensão entre aquilo que as autoridades nacionais queriam e o


que a troika determinava. Penso que na questão do défice… MAS O GOVERNO CONTINUOU A SEGUIR O CAMINHO DA TROIKA. NÃO HOUVE UM EMBATE CLARO OU… A posição portuguesa nunca pôs em causa o


cumprimento das metas acordadas nem do Tratado Orçamental, que foi votado por PSD, PS e CDS. Há aspectos do modelo que têm de mudar e houve previsões erradas. Se se pensar nos aspectos


negativos da troika, eu diria que são as questões sociais, em especial o desemprego. É obvio que aí houve um falhanço. MAS TAMBÉM FOI O GOVERNO PORTUGUÊS QUE OPTOU POR IR ALÉM DA TROIKA. O


governo português viu-se confrontado, quando tomou posse, com uma situação totalmente inesperada. Todos os cálculos feitos pela troika tinham com base um défice das contas públicas que tinha


uma falha em relação ao défice real. Isto levou a que se tivesse de fazer cálculos distintos, que levaram a essa situação. Fala-se muito do PEC IV… O QUE OUVIU DO EX-PRIMEIRO-MINISTRO JOSÉ


SÓCRATES QUANDO ESTEVE NA AUDIÇÃO PARA A ELABORAÇÃO DO RELATÓRIO? Já lá vou. O PEC IV previa para o ano de 2012 um défice de 3% e para 2014 de 1%. Imagine as medidas de austeridade que


seriam necessárias para atingir este objectivo. Quando se vem dizer que o PEC IV correspondia a um conjunto de medidas mais moderadas está-se claramente a ir contra os factos. NÃO ESTAMOS A


FALAR DE UMA DIFERENÇA DE MODELO? O PS DIZ QUE IRIA ANTES PELO LADO DA ECONOMIA… Não é uma questão de modelo, é uma questão de números e previsões. Repare que, se para o ano em que estamos a


começar a previsão do PEC IV era de 1% e o défice de 2009 atingiu 9,8%, são quebras do défice que seriam altíssimas. FOI ISSO QUE OUVIU DE JOSÉ SÓCRATES? O que posso dizer é que não ouvi


grandes novidades. PORTUGAL VAI COMEÇAR A NEGOCIAR, MESMO DE FORMA AINDA PRELIMINAR, COM OS PARCEIROS EUROPEUS A FORMA COMO VAI SAIR DO PROGRAMA. O QUE É MELHOR: UM PROGRAMA CAUTELAR OU UMA


SAÍDA LIMPA À IRLANDESA? Não vale a pena estar a discutir o que será a melhor solução. O grande objectivo é que no dia 17 de Maio Portugal termine o seu programa de ajustamento. Haverá nesse


dia um salto qualitativo muito grande na situação do nosso país. Deixaremos de ser dependentes para ser de novo parceiros. QUAL O MELHOR MODELO? TER ALGUMA AJUDA, UMA VEZ QUE OS JUROS AINDA


ESTÃO ELEVADOS? Não vou criar ruído à volta dessa matéria. Até porque há muito aspectos da questão que vão ser importantes para esse efeito, como as operações de colocação de dívida… O


SEGUNDO RESGATE ESTÁ POSTO DE LADO? O objectivo é tentar que a situação no dia 17 de Maio seja de saída do programa. Só penso e só reflicto nesse cenário e logo isso não pressupõe o segundo


resgate. PORTUGAL VAI TER DE NEGOCIAR ALGUMAS CONDIÇÕES. DEVIA ASSEGURAR A POSSIBILIDADE DE AUMENTAR O SALÁRIO MÍNIMO? Ainda não se sabe o que vão ser essas negociações nem sequer se vão


existir. A questão do salário mínimo deve levantar-se no período pós-troika. Fala-se muito do pós-troika, mas tem-se reflectido muito pouco sobre ele. O QUE FALTA? Quase tudo. Para mim o


primeiro ponto é a possibilidade de fazer acordos duradouros entre o maior número possível de partidos do arco da governabilidade. O PS tem uma opção muito clara: ou prefere continuar numa


linha de radicalismo que o vai ligar ao PCP e ao BE ou prefere estabelecer acordos importantes para Portugal, como sucedeu no caso do IRC. ESTÁ A FALAR DE ACORDOS PONTUAIS OU DO ACORDO PARA


A REFORMA DO ESTADO? O acordo deve ser o mais amplo possível. Pode ser área a área, mas se conseguir um conjunto amplo estamos a ter um acordo sobre a reforma do Estado. Essa escolha que o


PS tem de fazer é muito importante para os próximos tempos. O PS terá de fazer uma escolha entre o radicalismo e a moderação. O GOVERNO DEVE CHAMAR O PS PARA ENCONTROS SOBRE A REFORMA DO


ESTADO? A história não começa aqui. Não me esqueço que num dia vi o líder da oposição perguntar onde é que estava o guião e na semana a seguir, quando o guião foi apresentado, o mesmo líder


da oposição dizia que servia para esconder o Orçamento do Estado. Há tendência para se dizer que para haver acordos não se pode ter soluções fechadas, mas depois dizer–se que a reforma do


Estado deve ser discutida no parlamento com base em propostas elas próprias fechadas. O GOVERNO TEM FEITO AS REFORMAS ESTRUTURAIS COM QUE SE COMPROMETEU? Tem feito muitas reformas


estruturais. No final do mandato vamos ter de distinguir duas fases: a primeira, que foi a fase da urgência de cumprimento do programa, e a segunda, que é aquela em que, dentro das regras da


UE, do Tratado, o governo readquire uma liberdade de natureza política que não tinha. As reformas que já foram feitas (concorrência, arrendamento urbano, licenciamento, IRC, justiça) são


relevantes. AS REFORMAS DA FUNÇÃO PÚBLICA FORAM QUASE TODAS VETADAS PELO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL. A ÚNICA QUE PASSOU FOI O AUMENTO DO HORÁRIO DE TRABALHO. Passou e foi uma reforma


importante. TODAS AS OUTRAS FICARAM PELO CAMINHO. COMO SE PODEM CONTORNAR ESTAS DECISÕES DO CONSTITUCIONAL? Sendo jurista, faz-me muita confusão que se ponha o Tribunal Constitucional (TC)


no centro da discussão política. Pena é que tenhamos uma oposição em Portugal que anda a reboque de questões constitucionais, para mais que têm a ver com princípios. Tenho bastante pena e


até alguma angústia. A OPOSIÇÃO VIVE À SOMBRA DO TC? É uma pergunta que tem de fazer à oposição. Além das questões da constitucionalidade das normas que vão sendo aprovadas, vejo muito pouco


por parte da oposição. Gostava de ver alternativas. Se isso é historicamente razoável em relação ao que se passa com o PCP e com o BE, é muito estranho que isso aconteça com o PS. Quero


crer que se vai alterar. NA ÚLTIMA DECISÃO, O TC PARECE ACEITAR UMA REFORMA GERAL DOS SISTEMAS DE PENSÕES. A UM ANO E POUCO DE LEGISLATIVAS, É POSSÍVEL FAZER ESTA REFORMA? Uma reforma como a


da Segurança Social deve ter o acordo dos parceiros e o mais alargado possível no plano partidário. MAS UMA REFORMA DA SEGURANÇA SOCIAL IMPLICA CORTAR NAS PENSÕES DOS PRIVADOS. NÃO FOI ESSA


A LINHA VERMELHA TRAÇADA POR PAULO PORTAS? A linha vermelha traçada pelo CDS tem a ver com a TSU dos pensionistas. Essa mantém-se viva e muito clara. NA PRÁTICA ESTAMOS A FALAR NA MESMA DE


UM CORTE NAS PENSÕES DOS PRIVADOS. A TSU dos pensionistas era a criação de uma forma de taxar para além da contribuição extraordinária de solidariedade e que ia tocar pensionistas da


Segurança Social (SS) com pensões na ordem dos 400 euros. É preciso que se relembre que o PS sem troika congelou as pensões mínimas. O actual governo, com troika, descongelou essas pensões


mínimas. TENDO EM CONTA A POSIÇÃO DO CDS COM A TSU DOS PENSIONISTAS, ACEITARÁ UM CORTE NAS PENSÕES DA SEGURANÇA SOCIAL? O CDS defende os pensionistas que mais sofrem. Não me sinto muito bem


num país em que grande parte dos pensionistas da Segurança Social tem pensões na ordem dos 400 euros. NAS PRÓXIMAS EUROPEIAS ESPERA-SE UMA SUBIDA GENÉRICA DOS PARTIDOS ANTIFEDERALISTAS E


NACIONALISTAS EM PAÍSES COMO FRANÇA, HOLANDA E REINO UNIDO. O PPE PODERÁ SER PREJUDICADO PELA POLÍTICA IMPOSTA PELA ALEMANHA DE ANGELA MERKEL? Essa pergunta tem duas vertentes: uma primeira


que me preocupa que é o crescimento dos movimentos antieuropeus, em França, na Hungria, na Holanda e noutros países nórdicos. Coisa que felizmente não sucede em Portugal, porque o nosso


sistema foi criado de uma forma em que o CDS à direita e o PCP à esquerda foram o obstáculo total a que esses movimentos aparecessem. Preocupa-me a possibilidade de a Frente Nacional ganhar


em França. É o resultado da grande desilusão da esquerda europeia. A esquerda foi criando mitos: era o Hollande, era o SPD na Alemanha. Hollande fez promessas que mais parecia que ia ser


Jesus Cristo a andar sobre as águas e não andou – como se viu, afundou-se. Depois era a grande esperança do SPD na Alemanha, e que modificações é que houve com essas grandes esperanças da


política europeia? Rigorosamente nenhuma. Nem no plano da discussão. Quanto à situação do PPE, há sondagens que dizem que pode haver algum desgaste por o PPE ter a maioria dos governos na


Europa, mas vamos aguardar o discurso que o próprio PPE é capaz de fazer. Em Portugal, e falando do CDS, o facto de estarmos a participar num governo que teve de cumprir um programa de


ajustamento dá-nos uma posição ímpar para dizer aquilo que de melhor poderá acontecer para a evolução da UE. A DERROTA NÃO É INEVITÁVEL PARA O PSD E PARA O CDS? Acho perfeitamente possível


que uma coligação ganhe as eleições europeias. PORQUÊ? Porque é possível fazer-se um discurso chamando a atenção para as necessidades que o nosso Estado teve e dizendo que a solução para


situações como aquela passam não por egoísmos nacionais, mas por mais Europa: mais união bancária, mais união orçamental e possivelmente mais união política. SE O GOVERNO CONSEGUIR CONCLUIR


O PROGRAMA DE ASSISTÊNCIA, O PSD E O CDS TORNAM-SE CANDIDATOS À VITÓRIA NAS LEGISLATIVAS DE 2015? Acredito firmemente que podem ganhar as próximas eleições legislativas e a demonstração


disso é o desespero que alguma esquerda tem para que haja uma crise no governo até Maio. Há um período antes de Maio e depois de Maio. Vai ser um virar de página e há quem não queira que


esse virar de página aconteça sem que haja eleições. Não percebo por alma de quem se determinou a ideia de que a legislatura não é de quatro anos. Temos de criar soluções que nos dêem


estabilidade política. A instabilidade política levou a que tivéssemos tido um programa de ajustamento. ESTÁ A FALAR DO PS? Estou obviamente a falar do PS. Por isso mesmo, acredito


firmemente que depois de Maio teremos uma fase diferente, sem que com isto esteja a prometer que vamos entrar numa fase de Alice no país das maravilhas. Creio que é possível que o centro-


-direita vença as próximas eleições e não tenho nenhum dado em sentido contrário. PSD E CDS DEVIAM IR COLIGADOS NAS LEGISLATIVAS? DEVIA SER DISCUTIDO JÁ NO CONGRESSO? Não. Ainda falta um ano


e meio. Além dos congressos, os partidos têm órgãos que podem tomar decisões como essa, como os conselhos nacionais. Decidir agora seria um erro porque não sabemos o que vai acontecer para


a frente. O CDS E PAULO PORTAS RECUPERARAM A CREDIBILIDADE PERDIDA NO VERÃO COM O EPISÓDIO DA DEMISSÃO IRREVOGÁVEL? Sempre fui um grande defensor de que a política se faz com credibilidade.


Não entendo que alguma vez o CDS tenha tido um problema de credibilidade. UMA EVENTUAL REVISÃO CONSTITUCIONAL PODERÁ ESTAR DENTRO DE UMA DISCUSSÃO POLÍTICA NAS LEGISLATIVAS DE 2015? Tenho


dúvidas que na altura já estejamos com o grau de compromisso necessário para se avançar com uma revisão constitucional. O estado do consenso político ainda está muito longe da possibilidade


de se falar a sério numa revisão constitucional. AS LEGISLATIVAS PODEM AJUDAR A ISSO? As legislativas por natureza são uma altura de confronto. Não acho que a possibilidade de consenso


político surja apenas com resultados eleitorais. Tem de haver vontade política. Aí espero que quem neste momento está com uma vontade política nula ou quase nula a vá aumentando. QUASE TODAS


AS REVISÕES CONSTITUCIONAIS FORAM FEITAS COM O PS NO GOVERNO… O CDS votou contra a generalidade do texto da Constituição, mas sempre foi um grande defensor das revisões constitucionais e da


modernização da nossa Constituição. Não acho que Portugal viva um clima de drama constitucional. É UM PROBLEMA DE INTERPRETAÇÃO DA CONSTITUIÇÃO? Não. É um problema de possibilidade. Dentro


do actual quadro podem fazer- -se alterações relevantes em áreas como a saúde ou a educação e que são importantes para a nossa sociedade. Não vivemos um dilema constitucional. O CONGRESSO


DESTE FIM-DE-SEMANA VAI SER APENAS UM CONGRESSO DE CONSAGRAÇÃO DE PAULO PORTAS E EM QUE VÃO QUERER MOSTRAR QUE ESTÁ TUDO BEM NO CDS? Espero que o congresso seja um importante momento de


afirmação das ideias do CDS e de afirmação da liderança protagonizada por Paulo Portas. E ONDE SE VÃO DISCUTIR AS ELEIÇÕES EUROPEIAS. JÁ FOI CONVIDADO PARA FAZER PARTE DAS LISTAS? Acho que


tudo tem o seu tempo e como é conhecido os partidos que vão formar a coligação disseram algo muito simples: fazem-se os congressos e depois fala-se das listas. Tudo o que seja falar de


listas neste momento é extemporâneo. APESAR DISSO OS DOIS PARTIDOS JÁ GARANTIRAM OS DOIS CABEÇAS-DE-LISTA: NUNO MELO E PAULO RANGEL. Tudo o que seja falar de listas neste momento é


extemporâneo. O único aspecto que foi afirmado e directamente pelo presidente do CDS é que se pretende que seja o deputado Nuno Melo o número 1 indicado pelo CDS.