Bebês reborn e litigância predatória no cenário jurídico atual - migalhas


Bebês reborn e litigância predatória no cenário jurídico atual - migalhas

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A disputa pela guarda de bebês _reborn _(bonecos ultrarrealistas que têm sido objeto de muita discussão nas redes sociais nas últimas semanas) e a interposição massiva e reiterada de ações


judiciais, descabidas e propositalmente infundadas, patrocinadas por advogados que se utilizam de meios antiéticos para captação de clientela, mais conhecida como litigância predatória,


podem, à primeira vista, parecer realidades desconexas. Contudo, elas se apresentam como sintomas de um mesmo problema: a excessiva litigiosidade da sociedade brasileira.  Este artigo não


irá abordar aspectos psicológicos ou sociais de quem humaniza, coleciona ou brinca com bonecas, mas o fato é que a lei civil não tutela a guarda de objetos (apenas sua partilha) e que o


Judiciário não deveria ser utilizado para esse fim. Da mesma forma, ao ajuizar centenas de ações sabidamente sem fundamento, advogados não apenas sobrecarregam o Judiciário, mas o fazem com


o único objetivo de angariar clientes e movimentar suas contas bancárias, em detrimento do erário público e da eficiência da Justiça. Segundo o último levantamento do CNJ, realizado em


outubro de 2023, 84 milhões de processos tramitavam no país. Desse total, 31,5 milhões foram ajuizados apenas no ano de 2022.  Embora não se tenha um ranking atualizado dos países mais


litigantes do mundo, o Brasil tem figurado como um dos países com maior índice de distribuição de processos a cada 100.000 (cem mil) habitantes nas últimas pesquisas realizadas.  Embora haja


evidências de que o sistema Judiciário brasileiro se adaptou à realidade litigiosa do país, adaptar-se a essa situação não significa que o Poder Judiciário esteja operando em sua capacidade


técnica plena ou com a efetividade desejada.  É evidente que a enxurrada de processos recebidos pelo Judiciário compromete o atendimento àqueles que, de fato, necessitam de intervenção


judicial, muitas vezes com urgência. Não há como dissociar esta quantidade de processos levados ao Judiciário com a morosidade no resultado das demandas, gerando insatisfação social.  E não


é só. A ausência de boa-fé e bom senso das Partes e de seus advogados, obriga também o Poder Legislativo a editar projetos de lei em resposta a cada comportamento que ultrapassa o limite do


razoável e impede que as instituições e órgãos públicos exerçam suas atividades sem maiores transtornos. Essa atuação exacerbada do Legislativo, muitas vezes mais ativa do que o próprio


Poder Judiciário, pode gerar insegurança jurídica no sistema normativo brasileiro. Embora a legislação deva refletir a complexidade das relações entre a sociedade e os Poderes, há a


necessidade de se equilibrar a proatividade com a garantia da qualidade legislativa e da estabilidade jurídica. Seja na busca pela guarda de um bebê _reborn _ou nas ações judiciais


infundadas, o que se vê em verdade é a necessidade de maior atenção para a litigiosidade que permeia a sociedade brasileira. A cultura de que o Poder Judiciário trará respostas para os


conflitos sociais, aliada à falta de boa-fé, não apenas sobrecarrega a máquina pública, mas também desvia o foco e os recursos de casos verdadeiramente essenciais. Refletir sobre essa


litigiosidade é o primeiro passo para buscar soluções que promovam não apenas a pacificação social, mas também a utilização consciente e responsável dos mecanismos de Justiça.