Reflexões sobre o julgamento da adin 7. 265 (rol da ans) pelo stf - migalhas
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Há poucas semanas, o STF iniciou o julgamento da ADIn 7.265, provavelmente o processo judicial mais importante para os planos de saúde nesse ano e, certamente, um dos mais relevantes de
todos os tempos. A ação constitucional, proposta em 4/11/22, pela Unidas - União Nacional das Instituições de Autogestões em Saúde, busca seja reconhecida a inconstitucionalidade dos §§ 12 e
13 inseridos, pela lei Federal 14.454/22, no art. 10 da lei Federal 9.656/1998, a LPS - Lei dos Planos de Saúde. Os referidos dispositivos legais assim dispõem: _"§ 12. O rol de
procedimentos e eventos em saúde suplementar, atualizado pela ANS a cada nova incorporação, constitui a referência básica para os planos privados de assistência à saúde contratados a partir
de 1º de janeiro de 1999 e para os contratos adaptados a esta Lei e fixa as diretrizes de atenção à saúde._ _§ 13. Em caso de tratamento ou procedimento prescrito por médico ou odontólogo
assistente que não estejam previstos no rol referido no § 12 deste artigo, a cobertura deverá ser autorizada pela operadora de planos de assistência à saúde, desde que: _ _I - exista
comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou _ _II - existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de
Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, 1 (um) órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam
aprovadas também para seus nacionais."_ Tais dispositivos, especialmente o § 13, alteraram a LPS para, ainda que a título excepcional, tornar obrigatória a cobertura para determinados
serviços excluídos do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde (Rol), uma extensa lista, com fundamento legal, editada e atualizada pela ANS, contendo inúmeros serviços assistenciais. O rol
da ANS é o critério mais importante para efeitos de delimitação se determinado serviço está ou não contemplado dentro da amplitude de coberturas assistenciais obrigatórias a que os planos de
saúde estão vinculados. Sobre o rol, todavia, sempre pairou uma discussão nevrálgica e fundamental acerca da sua natureza, se taxativa ou exemplificativa. Com efeito, desde a sua criação, a
ANS sempre foi clara no sentido de que, no seu entendimento, o Rol possui natureza taxativa, ou seja, se determinado procedimento não está nele mencionado, significa que está excluído da
cobertura obrigatória. Desde a RN/ANS - Resolução normativa 465/21, esse entendimento está expressamente positivado: "Para fins de cobertura, considera-se taxativo o rol de
procedimentos e eventos em daúde disposto nesta resolução Normativa e seus anexos, podendo as operadoras de planos de assistência à saúde oferecer cobertura maior do que a obrigatória, por
sua iniciativa ou mediante expressa previsão no instrumento contratual referente ao plano privado de assistência à saúde" (art. 2). Ou seja, o Estado-regulador, na sua função precípua
de defender o interesse público na assistência suplementar à saúde e permitir a perenidade desse importante sistema de saúde, regulamentou que o Rol deve ser entendido como taxativo,
cabendo, para quem assim desejar, a livre contratação de cobertura adicional. No entanto, do ponto de vista dos consumidores beneficiários, a não inclusão de determinado serviço no Rol nunca
foi razão legítima para justificar a sua exclusão, haja vista que, na sua ótica, a lista teria natureza exemplificativa. De fato, o entendimento do judiciário, por anos, foi no sentido de
que o Rol seria exemplificativo, subsidiando-se, fundamentalmente, no CDC e em premissas, por vezes até hoje referidas, como aquela segundo a qual "o plano de saúde deve dar cobertura
para tudo aquilo que for solicitado pelo médico assistente do paciente". Em dezembro de 2019, entretanto, esse entendimento foi modificado, quando do histórico julgamento do REsp
1.733.013/PR, ocasião em que a 4ª turma do STJ entendeu, por unanimidade, que a lista não seria exemplificativa, mas sim taxativa. Na época, apesar dos méritos de tal decisão, não se podia
dizer que tinha havido uma mudança sólida de entendimento. A 3ª turma do STJ, aliás, nos julgamentos que se seguiram, continuou julgando em favor da natureza exemplificativa do rol. Na
sequência, em junho de 2022, através do julgamento dos embargos de divergência 1.886.929/SP e 1.889.704/SP, o assunto teve um novo e importante capítulo. Na ocasião, a 2ª seção (órgão
composto pelos ministros das 3ª e 4ª turma) do STJ julgou novamente o mérito da questão. Como resultado desse julgamento, ficou definido que: a) como regra geral, o Rol da ANS é taxativo; b)
a operadora não é obrigada a arcar com tratamento não constante no Rol se existir, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol; c) é possível
a contratação de cobertura ampliada, para que o beneficiário possa ter direito a serviços extra-rol; d) não havendo substituto terapêutico ou esgotados os procedimentos previstos no Rol da
ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a
incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos
de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros. Da análise dos requisitos, extrai-se, entre outros, que a obrigatoriedade de a operadora autorizar um procedimento não constante
do referido Rol pressupõe a inexistência, no Rol, de procedimento alternativo para a cura do paciente. Havendo procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado à lista de serviços
obrigatórios, já estaria totalmente eliminado o eventual direito de ver coberto um procedimento não previsto no rol. Em relação ao item "d", o Estado-juiz criou pressupostos para o
merecimento de tutela do consumidor. Na regra processual geral, caberá ao consumidor provar os fatos constitutivos do seu direito e à operadora os fatos impeditivos para não concessão da
autorização do procedimento. Apesar da importância monumental de tais decisões, o assunto nunca foi totalmente resolvido, seja porque muitos dos julgadores, especialmente da Terceira Turma,
continuaram (e ainda continuam) mantendo seu entendimento em favor da natureza exemplificativa do Rol, seja porque a decisão não foi formalmente processada e julgada pelo rito dos recursos
repetitivos, o que a tornaria vinculante para todo o poder judiciário. A partir da decisão da Segunda Seção do STJ, a mídia em geral foi tomada por uma comoção social, capitaneada pelo
slogan "Rol mata", segundo o qual a taxatividade decidida supostamente violaria o direito à vida dos consumidores aderentes ao plano ou seguro de assistência à saúde. A temática
também atraiu a atenção do meio político que, não perdendo a oportunidade, tratou de rapidamente buscar o protagonismo da situação, publicando uma lei para (tentar) resolver a questão, do
que se originou a referida lei Federal 14.454/22. Através dessa lei, novos dispositivos foram introduzidos na LPS, com destaque para o já citado § 13, no art. 10, que trouxe, para o plano
legal, a "abertura do Rol". A Lei, que foi aprovada depois de apenas três meses da sua proposição e sem que fosse objeto de discussões técnicas relevantes (e necessárias),
desconsiderou a norma regulatória e um trabalho criado há anos, inclusive via poder político, os quais, conjuntamente, haviam criado regras para tornar a atualização do Rol, antes lenta e
muito aquém das necessidades sociais, rápida e contínua. Relevante enfatizar o ponto de convergência entre o Estado-juiz (decisão da 2ª seção do STJ) e o Estado-legislativo (a lei Federal
14.454): a eficácia. A centralidade no atendimento humanizado é primordial, assim como também é fundamental que a prescrição médica seja baseada em estudos científicos, os quais permitam o
tratamento eficaz, não servindo o consumidor de "cobaia" ou de meio para o enriquecimento indevido dos interesses econômicos envolvidos. Nesse contexto, importante lembrar que o
absolutismo da prescrição médica que vigora há tempos como pressuposto de validade instrumental no STJ deve ser relativizado com documentos científicos trazidos pelas partes que expressem o
verdadeiro e eficaz tratamento. Felizmente, o judiciário parece caminhar nesse sentido já há alguns anos, vide, por exemplo, os recentes enunciados do CNJ aprovados pelo Fonajus na VII
Jornada de Direito da Saúde. Todavia, por vezes, ainda há decisões que tomam a prescrição do profissional assistente como se fosse uma (e única) verdade absoluta. Como reação à referida
Lei, foi proposta a supracitada ação constitucional, argumentando que a alteração legislativa violaria diversos dispositivos da Constituição Federal de 1988 (CF88), como aqueles dos quais
decorre o caráter complementar da assistência à saúde exercida pela iniciativa privada, o respeito à livre iniciativa e a função reguladora do Estado. Trata-se de controvérsia constitucional
importantíssima e que tem e terá repercussões social, econômica e jurídica de proporções gigantescas e certamente marcará o STF, o mercado da saúde suplementar e o sistema de saúde
brasileiro. Como ocorre em casos de tamanha magnitude, o Ministro Relator permitiu a presença de várias entidades representativas na figura processual de _amicus curiae_, incluindo a UNIMED
DO BRASIL- Confederação Nacional das Cooperativas Médicas; Associação Brasileira de Planos de Saúde- ABRAMGE; Apoio a Pesquisa e Pacientes de Canabis Medicinal- APEPI; Sociedade Brasileira
De Diabetes (SBD Nacional); Associação Nacional de Atenção ao Diabetes (ANAD); Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM- Nacional); Instituto Diabetes Brasil (IDB
NACIONAL); Conselho Federal De Enfermagem- COFEN; Associação Brasileira de Proteção aos Consumidores de Planos e Sistemas de Saúde - SAÚDE BRASIL; Conselho Federal De Fisioterapia e Terapia
Ocupacional- COFFITO; Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor- IDEC; Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das Pessoas com Deficiência- CRPD; Associação Beneficente de
Amparo a Doentes de Câncer- ABADOC; Defensoria Pública da União (DPU); Associação da Indústria Farmacêutica De Pesquisa- INTERFARMA; Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos-
SINDUSFARMA; e Federação Nacional de Saúde Suplementar- FENASAÚDE. Até o momento, sustentações orais foram apresentadas em defesa dos consumidores e das operadoras. Em que pese os combativos
argumentos trazidos na tribuna, é necessário observar a regra contida no inciso III do art. 4º do Código de Defesa do Consumidor, a qual determina que a política das relações de consumo
deve atender ao princípio da "harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento
econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal - CF88), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas
relações entre consumidores e fornecedores". Veja-se que nem mesmo o CDC determina um direito irreal e irrestrito aos consumidores - e nem poderia. A norma, com muito mérito, não ignora
que o mercado, englobando diversos interesses, é relevante para a sociedade, assim como o são as atividades econômicas, fontes de empregos, impostos e desenvolvimento. Também a CF88, no
art. 219, refere que "O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócio-econômico, o bem-estar da população e a
autonomia tecnológica do País, nos termos de lei federal". Fato é que, no contexto da saúde suplementar, há interesses múltiplos, como de consumidores, operadoras, hospitais, clínicas,
laboratórios, fabricantes de medicamentos, de órteses, de próteses e de materiais especiais, entre outros. Como harmonizar e compatibilizar a proteção do consumidor sem prejudicar a
atividade econômica das operadoras e o mercado como um todo? Por outro lado, é certo não haver, no nosso ordenamento jurídico, direitos absolutos. Tampouco se pode falar em direito à saúde
irrestrito, questão já exaustivamente tratada em textos, estudos e pesquisas voltadas aos insuperáveis limites dos direitos, especialmente os direitos sociais (dentre os quais se situa o
direito à saúde). Nessa linha, um rol formalmente exemplificativo, além de distorcer as lógicas securitárias e as bases atuariais nas quais se fundamentam os planos de saúde, não se mostra
sustentável, tampouco alinhado com a lógica que o art. 170 da CF88 busca preservar. Uma decisão favorável ao caráter exemplificativo, aliás, terá o condão catastrófico de prejudicar
indistintamente a todos, pois certamente acarretará o encarecimento dos preços das mensalidades em geral e a permanência de cada vez menos operadoras no mercado (cujo número, aliás, por
diversas razões, diminui anualmente desde o início dos anos 2000). Não custa lembrar que é o consumidor, em última instância, quem paga pelas novas incorporações do Rol e pelas concessões
excepcionais de tutelas judiciais, pois a assistência à saúde suplementar tem como base o mutualismo e o pagamento aos prestadores são realizados por conta e ordem do consumidor, conforme
expressamente determina o art. 1º da LPS. Nesse sentido, diante da insegurança jurídica antes existente, foi acertada a decisão do STJ com a criação dos pressupostos para concessão
excepcional de tutela na saúde suplementar, eis que direcionou para análise técnica da literatura científica, baseada na eficácia, rompendo o critério do absolutismo individual do pedido
médico. De fato, o STJ havia tentado criar uma regra (pela taxatividade), mas com permissão de, no caso concreto, ser viável a cobertura para determinado procedimento, ainda que excluído do
Rol. Era uma via harmoniosa, prestigiando a lógica de um contrato eminentemente securitário (ainda que de natureza sui generis), sem perder de vista os direitos dos consumidores. Era um
caminho alinhado ao princípio esculpido no art. 4, inciso III, do próprio CDC e ao art. 170 da CF/88. Seja qual for a decisão do STF, espera-se que a harmonização dos interesses conduza o
entendimento final e que não se perca de vista se tratar de uma assistência prestada com base em contrato e cláusulas previstas (e determinadas) pelo próprio Estado-legislativo e
Estado-regulador. Qualquer resultado diferente disso será desastroso para todos.