Medicamentos não disponíveis no sus: quando conseguir pela justiça? - migalhas


Medicamentos não disponíveis no sus: quando conseguir pela justiça? - migalhas

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INTRODUÇÃO A recente decisão do STF no Tema 6, proferida em setembro de 2024, representa um marco na judicialização da saúde pública no Brasil. Ao julgar a tese vinculante sobre o


fornecimento de medicamentos não incorporados às listas oficiais do SUS, a Corte definiu que a concessão judicial desses tratamentos passa a ser excepcional, condicionada ao preenchimento de


requisitos cumulativos. Embora tenha restringido o acesso indiscriminado a medicamentos fora do rol do Sistema Único de Saúde, a decisão não suprimiu o direito constitucional à saúde,


consagrado no art. 196 da Constituição Federal, mantendo a possibilidade de concessão judicial em situações excepcionais. Para isso, é necessário preencher seis critérios cumulativos, que


são essenciais para fundamentar o pedido. Veja neste artigo quais são esses critérios e o que pacientes e advogados precisam reunir para ingressar com uma ação judicial viável. O QUE A


DECISÃO DO STF EXIGE PARA QUE O MEDICAMENTO NÃO INCORPORADO SEJA FORNECIDO JUDICIALMENTE? De acordo com a tese fixada pela Suprema Corte, o fornecimento de medicamentos não incorporados ao


SUS somente será admitido judicialmente quando cumulativamente preenchidos seis requisitos objetivos. Vejamos: * PEDIDO ADMINISTRATIVO PRÉVIO INDEFERIDO: O interessado deve comprovar que


requisitou formalmente o medicamento ao SUS - por meio de protocolo junto à Secretaria de Saúde municipal ou estadual - e que o pedido foi negado expressamente. Essa negativa precisa estar


documentada nos autos. * IRREGULARIDADE NA AVALIAÇÃO DE INCORPORAÇÃO: É necessário demonstrar que houve omissão, demora irrazoável ou vício técnico no processo de análise da tecnologia em


saúde, conforme conduzido pela Conitec - Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS. Essa irregularidade deve estar devidamente apontada e fundamentada. * AUSÊNCIA DE SUBSTITUTO


TERAPÊUTICO NA REDE PÚBLICA: O paciente precisa provar que não há qualquer alternativa terapêutica similar ou equivalente disponibilizada pelo SUS que possa substituir o medicamento


pleiteado. A prescrição médica deve indicar expressamente a necessidade exclusiva da substância solicitada, vedando alternativas genéricas ou terapias intercambiáveis. * EVIDÊNCIAS


CIENTÍFICAS DE EFICÁCIA E SEGURANÇA: O medicamento deve contar com comprovação científica robusta, lastreada em evidências de alto grau de confiabilidade - como estudos clínicos em fase III,


revisões sistemáticas ou metanálises publicadas em periódicos de impacto. A ausência de aprovação pela Anvisa não é, por si só, impeditiva, mas fragiliza a prova da eficácia. *


IMPRESCINDIBILIDADE TERAPÊUTICA DEVIDAMENTE ATESTADA: O profissional de saúde responsável pelo acompanhamento do paciente deve declarar, de forma fundamentada, que o medicamento pleiteado é


imprescindível para o êxito terapêutico, seja para remissão do quadro clínico, seja para contenção de agravamento ou progressão da enfermidade. * COMPROVAÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA FINANCEIRA:


Por fim, deve-se demonstrar que o paciente não possui condições financeiras de custear o tratamento por meios próprios. A comprovação pode se dar mediante declaração de hipossuficiência,


documentos de renda, extratos bancários e outros meios adequados à instrução processual. A ausência de qualquer um desses requisitos ensejará o indeferimento do pedido, conforme orientação


vinculante fixada pelo STF. DIREITO À SAÚDE PERMANECE GARANTIDO: RESTRIÇÃO NÃO É PROIBIÇÃO Apesar do rigor técnico imposto, é fundamental destacar que a decisão do STF não eliminou o direito


à judicialização da saúde, tampouco impediu a concessão de medicamentos de alto custo fora do rol oficial. Ela "apenas dificultou" o acesso. A Corte reforçou a necessidade de um


maior grau de responsabilidade processual, por parte dos advogados e da Administração Pública. O princípio da dignidade da pessoa humana e a eficácia imediata dos direitos sociais permanecem


plenamente válidos. A atuação judicial segue sendo cabível e necessária, sobretudo em contextos de omissão estatal, ineficiência administrativa ou quando a análise técnica de incorporação


se mostra falha ou desatualizada diante da evolução médica e científica. COMO OS PACIENTES DEVEM AGIR DIANTE DA NEGATIVA DO SUS Com a nova diretriz fixada pelo STF, a atuação do paciente e


de sua família tornou-se decisiva para o êxito da judicialização. O simples desejo ou necessidade do medicamento não é suficiente - é imprescindível documentar cada etapa do processo


administrativo e clínico, com o apoio de profissionais habilitados. Veja os cuidados que devem ser observados: * FORMALIZAR O PEDIDO ADMINISTRATIVO AO SUS: O primeiro passo é buscar o


medicamento junto à rede pública, preferencialmente mediante protocolo por escrito, junto à Secretaria de Saúde municipal ou estadual. O paciente deve exigir uma resposta formal, ainda que


negativa. * GUARDAR TODA A DOCUMENTAÇÃO MÉDICA: O paciente precisa manter cópias do prontuário, laudos atualizados, exames e a prescrição médica com justificativa detalhada, onde o


profissional responsável deixe claro que o medicamento é imprescindível e que não há substituto disponível no SUS. * REUNIR EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS: Sempre que possível, o paciente (com apoio


de seu médico ou advogado) deve anexar ao dossiê estudos que comprovem a eficácia do tratamento pleiteado, sobretudo publicações reconhecidas por órgãos como Anvisa, Conitec, FDA, OMS,


entre outros. * COMPROVAR A HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA: É necessário demonstrar incapacidade de arcar com os custos do tratamento, por meio de contracheques, declarações de imposto de renda,


extratos bancários, declaração de pobreza ou outros documentos que evidenciem a situação financeira da família. * BUSCAR AUXÍLIO JURÍDICO ESPECIALIZADO DESDE O INÍCIO: Quanto mais precoce


for o apoio de um advogado com experiência em Direito da Saúde e em ações contra o SUS, maior a chance de sucesso. A condução estratégica desde o pedido administrativo até a estruturação da


petição judicial é o que fará a diferença diante da nova jurisprudência do STF. O paciente deve compreender que, embora a Justiça continue sendo um caminho possível, ele é agora mais


técnico, mais exigente e menos tolerante à ausência de prova. A conscientização e o preparo são tão importantes quanto o direito em si. A NOVA REALIDADE: COMO ADVOGADOS DEVEM AGIR A decisão


do STF representa uma inflexão importante no modo como o Judiciário deve lidar com demandas relacionadas a medicamentos não incorporados ao SUS. Não se trata de vedação absoluta, mas de


restrição qualificada, que exige domínio técnico-jurídico, planejamento estratégico e robustez probatória. Nesse novo cenário, advogados especializados em Direito da Saúde devem orientar os


pacientes desde antes da judicialização, auxiliando na: * ELABORAÇÃO DE PEDIDOS ADMINISTRATIVOS ADEQUADOS, com protocolo formal junto às Secretarias de Saúde e coleta da negativa


documentada; * OBTENÇÃO DE LAUDOS MÉDICOS PERSONALIZADOS, que descrevam de forma fundamentada a imprescindibilidade do medicamento e a ausência de substitutos disponíveis na rede pública; *


REUNIÃO DE DOCUMENTAÇÃO FINANCEIRA DO PACIENTE, incluindo comprovantes de renda, extratos bancários e declaração de hipossuficiência; * COLETA E ANEXAÇÃO DE EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS,


priorizando estudos clínicos com alto grau de evidência, revisões sistemáticas, pareceres técnicos e publicações reconhecidas; * IDENTIFICAÇÃO DE FALHAS OU OMISSÕES DA CONITEC, inclusive com


análise técnica da tramitação dos processos de incorporação de novas tecnologias no SUS. Do ponto de vista prático, a atuação jurídica deve se antecipar ao ajuizamento, transformando o


processo em instrumento de efetivação do direito à saúde com base em critérios objetivos, e não apenas em invocações genéricas de normas constitucionais. A nova jurisprudência exige mais


preparo, mas continua permitindo a tutela do direito à vida e à saúde quando o Estado se omite ou atua com ineficiência. CONCLUSÃO: JUDICIALIZAÇÃO COM ESTRATÉGIA É POSSÍVEL E NECESSÁRIA A


decisão do STF mudou o cenário da judicialização da saúde, mas não fechou as portas para quem realmente precisa. Pacientes em situação de urgência, que reúnem os requisitos descritos, ainda


podem buscar o tratamento necessário por via judicial. Por isso, é fundamental contar com orientação jurídica especializada, reunir a documentação exigida e estruturar a ação com base em


dados técnicos, científicos e financeiros bem demonstrados. O direito à saúde continua assegurado pela Constituição, mas o caminho agora exige mais preparo e rigor. Pacientes e famílias


precisam estar atentos - e os profissionais do Direito também.