Responsabilidade das plataformas em julgamento


Responsabilidade das plataformas em julgamento

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O Brasil está prestes a assistir a uma decisão que pode redesenhar os contornos da internet tal como a conhecemos. O STF retoma o julgamento dos Temas 987 e 533, que discutem a


constitucionalidade do art. 19 do marco civil da internet.


Em debate está a possível mudança do atual regime de responsabilidade das plataformas para modelos que se aproximam da responsabilidade objetiva, nos quais as plataformas poderiam ser


responsabilizadas por conteúdos de terceiros mesmo sem notificação prévia. Essa possível virada pode refletir diretamente sobre a liberdade de expressão, sobre a atuação do Judiciário e


sobre a estrutura de compliance e governança digital das empresas. Não se trata apenas de alterar uma regra jurídica, mas de rediscutir os limites entre moderação de conteúdo, censura


privada e direito à reparação de danos.


Um estudo recente do think tank Reglab, intitulado "O Preço da Moderação", me inspirou a escrever esse artigo. Para o estudo a depender da decisão do STF, o volume de novas ações judiciais


pode crescer em até 754 mil casos nos próximos cinco anos, o que representa um impacto orçamentário de R$ 777 milhões ao sistema de Justiça. Em outras palavras, estamos diante de um


julgamento com efeitos muito além do universo digital.


Que tal começarmos visitando alguns pontos que ajudam a entender melhor o que está em jogo com a discussão sobre o art. 19 do marco civil da internet?


Com a retomada do julgamento sobre o art. 19 do marco civil da internet pelo STF, também reacende-se uma importante discussão institucional. Cabe ao Supremo redesenhar o regime de


responsabilização das plataformas digitais? Ou essa transformação deveria ser conduzida pelo Poder Legislativo, em processo democrático, amplo e participativo?


O marco civil nasceu de um esforço coletivo multissetorial, reconhecido internacionalmente. Alterá-lo por meio de decisão judicial, mesmo com base em argumentos constitucionais, pode gerar


uma ruptura institucional com impactos profundos e pouco previsíveis. Embora o STF tenha competência para exercer o controle de constitucionalidade, ao substituir a regra vigente por um


modelo de responsabilidade objetiva, os ministros podem estar assumindo, na prática, um papel de legislador, criando efeitos regulatórios substanciais sobre a internet, a atividade


empresarial e os direitos fundamentais.


O desafio está em encontrar o equilíbrio. O STF não deve se omitir, mas tampouco pode ignorar os limites de sua atuação. Em vez de declarar inconstitucional um artigo estruturante como o 19,


talvez fosse mais prudente sugerir aperfeiçoamentos e provocar o Legislativo a agir trazendo diálogo interinstitucional, análise de impacto e participação da sociedade.


Ameaça à Justiça ou ampliação do acesso? E quem decide o que é liberdade ou ofensa?


Apesar de o estudo trazer uma reflexão relevante sobre o aumento das ações judiciais, esse crescimento não é, por si só, um problema. O outro ponto de atenção, contudo, está na complexidade


que podem surgir, envolvendo temas sensíveis como fake news, perfis falsos, discurso de ódio e a delicada fronteira entre moderação de conteúdo e censura, entre proteção de direitos e


liberdade de expressão.


Esse cenário se torna ainda mais delicado quando se considera quem será o crivo do certo e do errado no ambiente digital. Se o modelo de responsabilidade objetiva for adotado, as plataformas


podem ser pressionadas a remover conteúdos com base no receio de condenações, levando a uma moderação excessiva, silenciosa e muitas vezes opaca. O risco é transferir para empresas privadas


o poder de decidir o que pode ou não ser dito ou, alternativamente, empurrar esse julgamento ao Judiciário em escala industrial, fomentando uma indústria de indenizações e ações


predatórias, como alertam especialistas.


Como profissional que atua com compliance, governança e proteção de dados, vejo com preocupação esse caminho. A mudança no regime de responsabilização precisa vir acompanhada de maturidade


regulatória, salvaguardas institucionais e clareza jurídica. O sistema de Justiça não pode ser capturado por incentivos econômicos perversos, que transformam a litigância em estratégia


comercial ou fragilizam o direito à expressão.


Lições do direito comparado e o que ainda não estamos discutindo


É curioso notar que, enquanto o Brasil cogita adotar um modelo de responsabilização mais rígido para plataformas digitais, países como os da União Europeia, por meio do Digital Services Act,


seguem outra lógica. Lá, o paradigma continua sendo a responsabilidade subjetiva, mas com obrigações sistêmicas mais robustas, como auditorias periódicas, transparência algorítmica e gestão


de riscos estruturais. Em vez de punir a plataforma por um conteúdo isolado, a regulação europeia busca fortalecer os mecanismos de governança digital e diligência proativa.


Essa abordagem nos ensina que não basta alterar a regra de responsabilização. É preciso estruturar um ecossistema digital baseado em rastreabilidade, controle efetivo de riscos e


transparência. Um dos pontos que mais chama atenção é a ausência de debate, no Brasil, sobre uma solução direta e eficaz para coibir fraudes, desinformação e perfis falsos: a identificação


real dos usuários. Hoje, é possível criar contas com dados mínimos, muitas vezes limitados a um nome, um e-mail e uma data de nascimento fictícia. Quem fiscaliza? Quem confirma essa


identidade? O resultado é a proliferação de perfis falsos e contas descartáveis, usadas justamente para burlar políticas de moderação.


É claro que medidas de identificação mais rigorosas - como solicitação de documentos oficiais, dados cadastrais completos ou até biometria facial - levantam questionamentos legítimos sobre


coleta excessiva de dados e riscos à privacidade. No entanto, sob uma abordagem de segurança da informação e proporcionalidade regulatória, essas medidas poderiam ser desenhadas com


salvaguardas e finalidades bem definidas. Em muitos casos, identificar corretamente quem está por trás de uma conta já seria suficiente para reduzir drasticamente o uso de perfis anônimos


para fins ilícitos.


A ausência desse debate, tanto no STF quanto no Legislativo, indica que ainda há espaço para aprimorar a regulação da internet de forma mais equilibrada e eficiente.


A eventual mudança no regime de responsabilidade terá reflexos diretos nos programas de compliance digital das empresas. As plataformas poderão ser pressionadas a adotar filtros mais


agressivos para evitar riscos legais, o que pode resultar em excessos de moderação, com impactos na liberdade de expressão e no acesso à informação.


Além disso, essa nova pressão regulatória exigirá revisão dos fluxos internos de gestão de denúncias, resposta a incidentes, políticas de transparência e registros de decisões automatizadas.


As áreas de proteção de dados precisarão adaptar seus processos com urgência, em um cenário mais arriscado e sujeito a judicializações recorrentes.


Nesse cenário, será essencial reforçar práticas de due diligence tecnológica, desenvolver sistemas internos de rastreabilidade de decisões automatizadas e aprimorar os canais de denúncia e


moderação. É o compliance digital deixará de ser apenas uma boa prática e passará a ser uma medida essencial de sobrevivência jurídica e reputacional.


O julgamento em curso no STF vai muito além da constitucionalidade de um artigo legal. Ele pode representar um marco de inflexão sobre como lidamos com a responsabilidade digital, os limites


da liberdade de expressão e a preservação do devido processo legal em tempos de tecnologia e informação em tempo real.


A escolha entre manter o modelo atual ou caminhar para um regime de responsabilidade objetiva precisa considerar não apenas os princípios jurídicos, mas os impactos reais sobre o ecossistema


da Justiça, a integridade das plataformas, os direitos dos usuários e liberdade de expressão. Decidir com pressa, sem olhar para experiências internacionais, sem um debate técnico mais


amplo e participação da sociedade pode significar mais do que uma virada regulatória. Pode significar a judicialização da internet, o colapso de uma justiça já sobrecarregada, a fragilização


da democracia digital e violação do direito a liberdade de expressão.


Antes de buscar soluções judiciais que alteram a espinha dorsal do marco civil da internet, talvez devêssemos voltar à origem do debate: como garantir uma internet mais segura, transparente


e justa sem abrir mão da liberdade que a sustenta? Esse é o verdadeiro desafio. E ele exige, mais do que nunca, equilíbrio, escuta e responsabilidade institucional.


1 https://reglab.com.br/o-preco-da-moderacao-impactos-da-decisao-do-stf-sobre-a-responsabilidade-civil-das-plataformas-digitais-copy-copy/


2 https://www.migalhas.com.br/quentes/431570/stf-julga-na-proxima-quarta-feira-responsabilidade-de-redes-por-posts


3 OpenAI. (2025). Título do prompt ou pergunta feita ou cocriação ou correção ao ChatGPT.