Biblioteca Pessoal. A glória póstuma de Nietzsche
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"Quando Zaratustra atingiu a idade de 30 anos, deixou a casa dos pais e o lago da sua terra natal, e retirou-se para as montanhas”.
Normalmente, quando vejo numa livraria um livro que possa interessar-me, abro-o numa página ao acaso, como que para apanhar o autor desprevenido.
Mas neste caso abri o livro mesmo no início e deparei-me com estas palavras promissoras. O que ia acontecer depois de Zaratustra se retirar para as montanhas?
Chegado a casa, fui à procura de uma edição de bolso de “Assim Falava Zaratustra” que lá tinha e, antes de me deitar, comecei a leitura. Esperava encontrar aforismos originais, uma prosa
impregnada de sentido poético e belas metáforas como as de “A Origem da Tragédia”, que li quando era estudante universitário.
“Assim Falava Zaratustra” é um livro célebre, quer pela teoria do super-homem, quer até pela música de Richard Strauss inspirada no livro de Nietzsche.
A sua leitura constituiu para mim, no entanto, uma deceção enorme. Não pelas provocações constantes, como a célebre frase “Deus está morto” e demais ataques à religião (muitos dos quais até
me pareceram justos e certeiros. Por exemplo, quando Nietzche carcateriza o Cristianismo como uma religião da morte e defende que, pelo contrário, é preciso celebrar a vida).
Nada disso. Desagradou-me o estilo pomposo e as alegorias pretensiosas. Mas sobretudo chocou-me verdadeiramente o pessimismo que atravessa toda a obra. Sob o pretexto de querer libertar-nos
das amarras que nos prendem, o filósofo alemão faz um retrato deprimente dos homens comuns e das suas vidas (para ele) mesquinhas.
“Aquele que atinge a plena realização morre como vencedor, rodeado por aqueles que esperam e prometem. Assim, é preciso aprender a morrer”, lê-se a certa altura do Zaratustra.
Em 1889, ao ver um cavalo a ser espancado em Turim, Nietzsche sofreu um colapso nervoso, passando a última década da sua vida em agonia. Não morreu, como preconizava a sua obra, como
vencedor. Ainda assim, alcançou a glória a título póstumo. Nada que o reconfortasse grandemente.
Friederich Nietzsche, Assim Falava Zaratustra, Guimarães, 442 págs.